Primeiro lugar no concurso CICOP Chile / Paola Maia Fagundes

Publicado em: Julho 6, 2016

Fonte: ArchDaily Brasil

Plataforma Arquitectura

Apresentamos a seguir o projeto de TFG Fábrica Hotel, de Paola Maia Fagundes, vencedora do concurso CICOP Chile, Arquiteta e Urbanista formada na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul no ano de 2014 e co-fundadora do escritório AH! Arquitetura Humana.

O prêmio CICOP CHILE é um concurso que ocorre há cada 2 anos, pretendendo estimular e fomentar o desenvolvimento de trabalhos de graduação de Arquitetura e Urbanismo que intervenham e protejam áreas de interesse patrimonial. Esta foi a primeira edição extensiva à América Latina, onde a Federação Internacional de Centros CICOP tem representação.

O concurso é organizado pelo Centro Internacional para a Conservação do Patrimônio (Fundacion CICOP), uma ONG que tem por missão contribuir para o reconhecimento, difusão e proteção do patrimônio; patrocinado pelo Colégio de Arquitetos do Chile, promovido por Allpan, T8 Arquitectos. Este ano o premiação do primeiro lugar consistiu em uma passagem para Marrocos, para participar do “XXIII Congreso Internacional De Rehabilitación Del Patrimonio Arquitectónico Y Edificación Tetuán 2016”.

A cerimônia de Premiação ocorreu no dia 27 de Maio de 2016

De acordo com as CONSIDERAÇÕES DO JURI, os “jurados de forma unânime consideraram que o projeto apresenta uma fundamentação muito consistente, compreende a problemática atual do patrimônio industrial, que requer uma nova utilização para assegurar sua conservação, e que cumpre uma importante função na regeneração econômica e turística de uma zona deprimida ou em decadência. “

Descrição pela autora do projeto:

“A arte deve ser como um espelho que nos revela a nossa própria face”.

Jorge Luis Borges É um fio que tece essa história, conecta tempos a partir do patrimônio. Do final do século XIX ao século XXI, do apogeu de uma cidade portuária à decadência da mesma. Vejo nas ruínas da antiga Fábrica Rheingantz, histórias de Operários e Mestres que ali construíram sua vida.

Localizada na cidade de Rio Grande, no extremo sul do Brasil e fundada no fim do Século XIX, foi a primeira fábrica de fiação e tecelagem de lã do País. Em seu patrimônio vemos um amplo complexo industrial, com política habitacional muito significativa para os padrões da época, com Vila Operária inserida em sua planta industrial. Após momentos de crise no Estado do Rio Grande do Sul, decretou-se falência, entrando em decadência e abandono. Os danos deste esquecimento são vistos ainda nos dias de hoje através do alto nível de depredação.

Ao confrontar-se com a Antiga Fábrica de Tecidos Rheingantz, sentir sua textura e odores, somos remetidos à um tempo que passou. Caminhando por seus abandonados corredores, como se fossem ruas de uma cidade antiga, ainda estão presentes maquinários, mobiliários e documentos. Nestes espaços misteriosos e convidativos sentimos a “alma da fábrica”, de quem ali trabalhou e viveu. Assim, a partir da vivência no espaço arquitetônico e compreensão da história deste Conjunto Industrial, desenvolveu-se o “Fábrica Hotel”, com a intenção de converter um pavilhão industrial em um hotel, fomentando o desenvolvimento Turístico, setor de extrema importância para a economia interna.

O projeto em questão, sempre esteve ali. Foi necessário compreender o que o espaço queria dizer, ler a pátina do tempo, perceber a volumetria da pré-existência, enxergar a horizontalidade do encontro do céu e do mar, escutar o barulho das águas. Surgindo assim, uma arquitetura silenciosa, de reencontro com o passado e com a memória, desvendando o que quase foi destruído com os anos de descaso.

Antes de desenvolver o projeto tema, definiu-se usos para todo o Complexo Operário, propondo um espaço de convivência social, bem estar e lazer, reunindo pessoas de diversas idades e classes sociais em um mesmo local. Dedicou-se aos jovens, crianças e idosos, os Ateliês de Arte, Centro de Dança e Música; ao desenvolvimento turístico, o Museu Complexo Rheingantz e o Fábrica Hotel; à população de baixa renda Oficinas de Tecelagem e Fiação, com loja para venda do que for produzido; cultura e entretenimento, com biblioteca, mapoteca e cinema. E em um pavilhão em específico, árvores nasceram e cresceram em seu interior, assim foi proposto um Jardim Coberto. Além de área comercial e de gastronomia. Um uso bem diversificado destes espaços, pode levar ao sucesso deste Centro Cultural.

Após o zoneamento que definiu novos usos para o “Centro de Cultura, Lazer, e Serviços Rheingantz”; e a partir da pesquisa “Quanto Vale um Patrimônio Cultural? O Caso da Fábrica Rheingantz em Rio Grande – RS” de Rogério Piva e Márcia Piva, definiu-se as duas edificações representativas para desenvolver o futuro projeto: O Escritório Central, edificação imponente que marca o acesso à cidade; e o Pavilhão aos fundos do “Complexo Operário” por sua ligação direta com o novo Bairro a ser projetado pela incorporadora que adquiriu as terras.

A conexão das duas edificações que compõe o Fábrica Hotel é feita por uma grandiosa passarela, que leva o antigo ao novo, sua linearidade remete a passagem do tempo, lembra os trilhos do trem da estação ferroviária (a proximidade a estação ferroviária foi motivo pelo qual a fábrica estabeleceu-se neste sítio, e faz parte da mesma poligonal de tombamento do IPHAE RS). Esta passarela tem sua conclusão em um mirante e espelho d’água, um encontro com o mar. Ao caminhar por ela, a visual superior aos pavilhões e ruelas, nos permitem ver e entender o passar da história, são diversos períodos, vemos pavilhões com características ecléticas, art decô, entre outros.

A maior intervenção acontece no pavilhão aos fundos (local que está fora da poligonal de tombamento, ou seja, pode ser demolido caso seja a intenção do atual proprietário). O projeto implica em algumas transformações, interpretando a volumetria e deixando legível os diversos estratos de sua história. Teve sua estruturação a partir da tese de Mestrado de Vivian S. Paulitsch, “Rheingantz : Uma Vila Operária em Rio Grande”, no trecho a seguir Vivian Paulitsch, descreve os pavilhões da fábrica, relidos para o projeto do hotel: “pavilhões isolados, paralelos uns aos outros, bem arejados que possuem cobertura em ‘ SHED’ com ótimas condições de iluminação natural. ”Fruto da interpretação deste trecho, a adição conta com três blocos principais (hotel, apart hotel e recepção), isolados eparalelos uns aos outros comcobertura em 2 águas (referindo-se ao telhado de SHED).

Enquanto a passarela é em aço corten e vidro, para a nova intervenção no pavilhão (hotel, apart hotel e recepção) optou-se pelo concreto, mimetizando a obra com pureza de linha e desenho. Para salientar o caráter histórico do projeto, os volumes onde localizam-se auditório e área de convivência são revestidos de telhas e tijolos maciços reciclados, obtidos a partir dos pavilhões que já ruíram, visto seu alto grau de degradação.

As paredes da pré-existência devem ser vistas como protagonistas de sua história, decidiu-se deixar a pátina do tempo, sem máscaras ou tintas. Expressando sua idade e sua origem.

Nesta nova arquitetura, espelhos d’água são desenhados em referência às canaletas de águas pluviais localizadas no corredor central da fábrica; estes também nos remetem a proximidade com o mar. Os espaços abertos (pátios) são complementados com desenhos de piso onde sobras de trilhos de trem fazem a marcação. Conchas e pedriscos vindos da margem do Saco da Mangueira também complementam o paisagismo. Na visita ao local, foi fotografada uma árvore que nasceu no centro de uma engrenagem de uma antiga máquina, a partir deste ato sem intervenção humana, o paisagismo será marcado por arborizações envoltas de engrenagens.

Entre o patrimônio e o contemporâneo, este espaço foi criado para ser um local de vivências sociais, que transcendem a geometria. Um projeto que se curva perante às edificações que ali estavam, humano, silencioso e memorável.

E ao “fiar” estas lembranças, assegure-se o direito à memória e à história como necessidade humana.